sábado, 7 de julho de 2018
sexta-feira, 5 de janeiro de 2018
ATÉ QUE TENHAMOS ROSTOS
Até Que Tenhamos Rostos, publicado em 1956, reconta o mito do
Cupido e Psique. Como o próprio Lewis afirma, essa obra se trata de sua versão
pessoal acerca do mito grego, e na qual, ele optou por recontar a estória por através
de Orual, irmã mais velha de Psique. Ainda, nessa versão pessoal de C.S. Lewis,
o autor optou também em fazer com que o palácio de Psique fosse invisível aos
olhos das pessoas normais e mortais.
Como leitor, registro aqui a
primeira intertextualidade que notei:
“Eis o meu segredo: só se vê bem
com o coração. O essencial é invisível
aos olhos. Os homens esqueceram essa verdade [...]” (O Pequeno Príncipe, Antoine
de Saint-Exupéry).
Acredito também que há possíveis intertextualidade
com a Bíblia, pois as Obras de Jack (C.S. Lewis) são repletas de referências bíblicas
e literárias (Lewis era Professor de Literatura em Oxford e Cambridge).
Ainda, sobre o conceito de invisível,
podemos destacar Colossenses 1:15 e 1 Timóteo 1:17. Nesses versos, há uma clara
característica de Deus – o Deus Invisível.
Ressalto que o presente texto,
não se trata de uma análise crítica da Obra Até
Que Tenhamos Rostos; mas sim, apenas as impressões e possíveis intertextualidade
observada por um mero leitor.
Em resumo, o Romance reconta o
mito grego. A narradora é Orual, filha de trom, Rei de Glome. O Rei tem três
filhas: Orual (a mais velha e a mais feia), Redival e a caçula, Istra (Psique - a mais bela de todas).
Ao decorrer da narrativa, após a morte do Rei, Orual se torna a Rainha de
Glome. E durante toda a sua vida, nossa narradora (digo nossa, pois como
leitor, somos levados a criar laços de afeto e identificação com a personagem)
realiza feitos que vão contra os costumes sociais do seu tempo. Realiza feitos que socialmente “são
dignos de serem realizados por homens”. Nos dias atuais, podemos afirmar que a
narrativa decorre sobre o empoderamento da Mulher e desmistificação do “gênero frágil”.
Sinceramente, a narrativa é belíssima.
Diferente de As Crônicas de Nárnia, A presente obra é um Romance Adulto, repleto de amor & devoração,
inveja, sofrimento, angustia, alto conhecimento, justiça, dor, superação,
relação entre terreno e divino, beleza & feiura, etc.
Acredito que este Romance apresenta
uma direta relação ao Livro de Jó, pois a obra inicia-se com a narradora apresentando
suas queixas contra os deuses, em especial ao deus que vive na montanha
cinzenta.
Como disse a própria narradora,
ela escreveu esse livro (algo que ninguém teria coragem de escrever), pois ela
está livre do medo dos deuses, pois não tem mais nada a temer em relação à fúria
dos deuses. Assim, como Jó, na narrativa bíblica, quando chegou ao fundo do
poço e não lhe restava mais nada, ele (Jó) realizou discursos direcionada a Divindade, e próximo
do fim da narrativa do Livro de Jó, o SENHOR vem lhe responder. Vem trazer a
resposta.
Já no Romance Até Que Tenhamos Rostos,
Orual afirma que terminou o seu livro (acusações e queixas contra os deuses) sem
resposta, pois ela esperava que os deuses iriam se defender das acusações.
Contudo próximo ao seu fim terreno, a narradora afirma que “Sei agora, Senhor, por que não deste nenhuma
resposta. Tu és a própria resposta. Diante do teu rosto, as perguntas
desaparecem. [...]”
A escolha do nome do romance Até Que Tenhamos Rostos foi realmente
uma excelente sacada do autor. E essa ideia de que os deuses não falam conosco, em virtude, de ainda não termos rostos, conforme consta no capitulo 25. O que vai de
encontro com a ideia bíblica de não conhecemos a Deus, mas um dia estaremos
face a face, e o que era desconhecido nos será conhecido.
Por falar em capitulo,
a obra é composta por 25 (vinte e cinco) capítulos, dividido em 02 (duas)
partes. A Primeira Parte é composta por 21 (vinte e um) capítulos, e a Segunda
Parte por 04 (quatro) capítulos. A narradora encerra sua jornada terrena sem
poder reescrever o seu livro, e deixa o livro com o paragrafo "final" incompleto: “[...]
Eu te odiei por muito tempo, te temi por muito tempo. Eu poderia...”.
Depois deste trecho narrativo, o sacerdote
de Glome, afirma que a Rainha morreu antes de concluir sua fala. Depois o
sacerdote guarda o livro da Rainha no templo e o preserva afirmando que o livro
fora escrito pela pessoa “mais sábia, justa, valente, afortunada e
misericordiosa de todas as princesas conhecidas em nossa parte do mundo”.
Durante sua jornada terrena,
Orual teve a companhia de Raposa, que lhe foi como um mestre, ensinado lhe a
filosofia grega, e também a companhia de Bardia (soldado do Reino) que lhe foi
o contado com o senso comum. Em suma, a narradora/protagonista estava em
constante aprendizagem e construção de identidade mediante as dualidades:
Ciência e Religião; Filosofia e Senso Comum, Beleza e Feiura, Amar e Devorar,
morrer e casar, a Natura dos Deuses e a Natureza Divina, etc.
No capitulo 07, Orual diz que “deve
haver muita coisa que nem o sacerdote nem Raposa entendem”. Assim, deve haver
coisas que nem a religião e nem a filosofia compreendem.
Há diversos trechos narrativos
muito interessante e riquíssimo, destaco:
No capítulo 13, consta o conceito
de que a família real tivesse sangue divino. Orual nessa sociedade que afirma
que a casa do Rei tem sangue divino. Contudo, o Raposa, o filosofo diz
categoricamente que “Todos os homens têm sangue divino, o deus habita em todos
os homens”.
Para Raposa, não importa o status social: rei, nobres, súditos,
plebeus, escravos, todos são imagem do divino. Lembrei-me de Efésio 4:6, ”Um só
Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meio de todos e em todos”.
Como bem disse Teilhard de
Chardin, “não somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual, somos
seres espirituais vivendo uma experiência humana”. A centelha divina está nos homens.
Orual diz que era filha de Glome
(doutrina) e aluna de Raposa (sabedoria da Grécia), e sua vida fora vivida
nessas duas metades que nunca se juntaram. Entretanto posso acreditar que no
fim de sua vida essas metades se juntaram e formaram um todo para a
protagonista. Pois Orual compreendeu que ela também é Psique.
O desenvolvimento de Orual no
enredo é fabuloso. Em uma sociedade na qual uma mulher não poderia liderar um exército,
Orual se tornou a personagem mais fantástica e forte de todo o reino. Ela
liderou o exército. Ela governou com sabedoria e muita destreza. Ganhou a
admiração do povo (livre e dos escravos), dos nobres e também a admiração do
sacerdote. Enfrentou os deuses. E reinou com justiça para os menos afortunados.
Uma mulher que ressignificou o conceito de feminino. Coragem não é um atributo exclusivamente
masculino.
Em vários momentos, a Narradora
se deparava com a seguinte frase direcionada a si, dizendo “Ah senhora, é mesmo
uma pena que a senhora não nasceu homem”. Assim, ela venceu todos os conceitos
de sua sociedade e encerrou a sua vida, como nas palavras do sacerdote, a pessoa
“mais sábia, justa, valente, afortunada e misericordiosa de todas as princesas
conhecidas em nossa parte do mundo”.
Encerrarei o meu texto por aqui,
senão irei me prolongar ainda mais. As obras de são cheias de referências. E a
cada página folheada e a cada trecho destacado, mais assunto vai surgindo.
Recomendo a Leitura de Até Que Tenhamos Rostos. A editora
Ultimato está de parabéns pela tradução da obra. Belíssima capa, com ênfase no
castelo (invisível – na versão Lewisiana) de Psique. Só não concordei com a
escolha do subtítulo “A releitura de um mito”. Certamente escolha da equipe de marketing.
Certamente, eu preferiria a tradução literal de “A Mith Retold” [Um mito
recontado]. Mas a escolha da editora não altera a essência do Romance.
E muito obrigado a você leitor
(a) que persistiu e chegou até ao fim do meu texto sobre minhas impressões acerca
do livro Até Que Tenhamos Rostos, de
C.S. Lewis. Sinta-se à vontade em deixar os seus comentários.
Grande abraço.
Fabio Faith
Leia Mais…
Assinar:
Postagens (Atom)