quarta-feira, 7 de março de 2012

C. S. Lewis: fácil ou difícil?

Por Gabriele Greggersen*

Gostaria de ter dado continuidade ao meu papo sobre as Crônicas de Nárnia, mas certamente teremos mais oportunidade para isso. O que me ocupa nos últimos meses é outra coisa. Fui surpreendida por uma nova missão: traduzir C. S. Lewis, aquele Jack em sua melhor forma, como professor emérito de Literatura Medieval e Renascentista Britânica. Trata-se praticamente da tradução de sua obra acadêmica completa.
 
Finalmente o Brasil conhecerá outra face deste apologista cristão, que é a do profissional acadêmico de mão cheia e reconhecido no mundo todo por sua contribuição para a sua área de atuação. A pergunta: “quem é que vai ler C. S. Lewis no Brasil?”, que me foi feita anos atrás por um editor já não se aplica, pelo menos é essa a aposta. Então, resolvi compartilhar algumas de minhas dificuldades nessa empreitada, que se me fizeram lembrar de um dos capítulos de seu clássico “Cristianismo Puro e Simples”, traduzido como “O Cristianismo: é difícil ou fácil?”.
 
Só lembrando um pouco o que Jack diz ali sobre o Cristianismo: ele é difícil, pois não exige nada mais nada menos do que a entrega total (do orgulho, do egoísmo, dos medos, dos sonhos, das realizações, das razões e desrazões) e por causa das consequências disso (aprender a lidar com os paradoxos da vida). Mas é, ao mesmo tempo, fácil e isso num sentido que vai além das dificuldades, porque Deus faz tudo por nós: o querer e o realizar, como por um passe de mágica, apesar de nós. É fácil também, porque o “fardo é leve”, por mais contraditório que isso possa parecer.
 
Então, resolvi fazer um paralelo desse paradoxo com a própria pessoa de C. S. Lewis, que reflete em si as contradições presentes em toda a criação e em todo o cristão: Ler e traduzir C. S. Lewis: é difícil ou fácil?
 
Vou começar pelos seus aspectos “fáceis” de ler e traduzir sua obra: seu carisma, sua paixão pelo que sabia fazer melhor; lidar com as letras e com os autores; e sua clareza mental; seu equilíbrio e ponderação na argumentação; sua genialidade; sua humildade; seu respeito pelo leitor. De uma maneira geral, o fácil é o interesse que ele despertava por mergulhar em todos esses mundos e universos que ele apaixonadamente nos revela.
 
A parte difícil da tradução da obra de C. S. Lewis são as palavras refinadas, que mal se encontram em dicionários atuais, suas milhares de citações de milhares de autores totalmente desconhecidos para nós e que ele conhecia como velhos amigos de colégio.
Seu conhecimento poliglota de línguas, entre elas o Inglês Médio, língua mais morta do que o latim, que o tradutor tem que fazer verdadeiros malabarismos para tentar decifrar. Sem falar de citações em latim, francês, italiano, britânico saxônico e grego.
 
E o que mais: Lewis também erra, pelo menos para o nosso gosto: Frases longas, com uso constante do “it” (gênero inexistente no português) até se perder de vista a que ele se refere; uso de expressões idiomáticas. Todas essas dificuldades fizeram vários tradutores desistiram da ousadia de traduzir esse autor, principalmente nessas obras.
 
Mas não quero reclamar disso, desde que o todo da obra seja compreensível. Os sofrimentos, eu os tomo com minha parte ínfima de um todo bem mais precioso. O difícil mesmo é a árdua tarefa de subir nas costas de um gigante que confessava subir nas costas de outros gigantes. Quando nelas um dia eu subi, não fazia ideia da quantidade de costas sobre as quais ele se erguia e percebo agora, o quanto mais ainda há por escalar acima delas.
 
Sou grata a Deus por essa oportunidade que, apesar das grandes dificuldades passageiras, promete redundar numa boa colheita nessa seara de poucos ceifeiros.
 
Como Jack mesmo dizia: nossa missão não é de derrubar florestas, mas de irrigar desertos. Foi isso que Jesus fez, com suas misteriosas parábolas e seus milagres, foi isso que fez o apóstolo Paulo, o imitador de Cristo, é isso que fazem milhares de missionários por todo o mundo e o que essa modesta imitadora tenta fazer, ao canalizar essas águas refrescantes para os nossos ermos acadêmicos e cristãos. Peço as preces do leitor para o sucesso desse desafio que certamente depende por inteiro da graça divina e serve inteiramente para o Seu louvor.
 
Fonte: Ultimato

*É mestre e doutora em educação (USP) e doutoranda em estudos da tradução (UFSC). É autora de O Senhor dos Anéis: da fantasia à ética e tradutora de Um Ano com C.S. Lewis e Deus em Questão. Costuma se identificar como missionária no mundo acadêmico. É criadora e editora do site www.cslewis.com.br

Um comentário:

Eder Barbosa de Melo disse...

Texto muito bom, sempre pertinente discutir C.S. Lewis!

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